Ele
ali sentado, o momento de se acalmar, parar um pouco, a pausa de sua enfadonha
rotina. Não. Talvez sua rotina não fosse tão enfadonha. Suas botas empoeiradas,
seus cabelos brancos, seu uniforme cinza escuro que deveria ser quente em dias
ensolarados.
Passavam
por si e só passavam. Ninguém o olhava a recolher do chão toda sujeira ali
deixada, todas as pontas de cigarro imprudentemente jogadas, sua função manter
a ordem do limpo, deixar todo o ambiente hostil e tenebroso do lugar um pouco
mais acolhedor.
Observava
e gastava bons minutos a observar os que vinham e iam. Os que carregavam livros
nas mãos eram seus prediletos, questionava que diabos haveria nesses livros, de
certo perdiam tanto tempo para lê-los todos, mas não julgava, pois perdia
vários minutos, também, do dia a observar.
Sua
mulher morrera cedo o deixando sozinho na labuta da vida que não tem como escapar
além de vivê-la e vezenquando encontrar bons ouvidos para reclamar e contar
boas histórias.
Não
sabia se havia alguma missão em sua vida além de limpar e passar o dia nessa sina
que já habitual lhe era.
Apesar
de cristão não tão fervoroso, fumava, porém era regrado, separava no seu dia
três intervalos, fora o almoço, para pausar e acender um cigarrinho, na hora
que via alguém acendendo um em lugar inapropriado sentia certa autoridade para
dar uma advertência para se dirigir para a área dos fumantes.
Willy Ronis |
Das
três vezes que pausava durante o dia, em duas delas tomava um café, claro,
pensava consigo, que o de sua mulher era bem melhor, mas depois que se fora
jamais encontrara café igual.
Não
era de viajar, não tinha parentes longe logo não haveria necessidade ou motivo de
se locomover para outros cantos.
Tinha
uma irmã mais velha criada pela tia, porém por ter começado a trabalhar muito
novo, se mudar e casar não tivera tanto contato nem o mínimo com sua irmã, sentia
um grande arrependimento, mas o que faria se não cuidar de sua vida.
Seu
sonho além de ter tido um filho homem, o qual não tivera, era ter trabalhado no
exercito que nem chegara perto.
Depois
de tanto confabular consigo, ele-o-faxineiro levantou, agarrou a sua
companheira de anos e ferramenta de trabalho e se prontificou a fazer o que
fazia limpar.
Deixara
bem evidente que sua vida não lhe parecia triste muito pelo contrário, foi e é
feliz, ser amado, conseguiu o que poucos conseguem, mas a tuberculose a levara,
ela era danada daquelas criadas noutro tempo, que hospital, só servia para quem
não confia em Deus, ela-sua-esposa
não iria não, preferia, caso tivesse que morrer, em sua cama, no seu quarto, na
sua casa, pois se fechasse os olhos estaria de imediato no céu a admirar a
glória.
Essa
vida tem muito em comum com a própria vida. Via tantos mendigos, moradores de
rua onde trabalhava e ficava indignado a sujeição desses cabras com a vida, mas como pode não resistirem a dureza do pão
duro. Eu mesmo – exclamava quando se colocavam para ouvi-lo – comi tanto pão
duro com café e nunca cedi, mesmo quando perdi meu tesouro levado por aquela
doença maldita, ah mas Deus sabe o que faz! Preferia vê-la descansar do quê a
sofrer, a pobre não merecia mais sofrimento, se recusava a tomar até os remédios.
Certo
dia, não sabia especificar, foi assistir um teatro de rua, disseram-lhe que era
uma peça, não entendeu bem, sabia apenas que se tratava de coisa de ator, veio
em si uma vontade gritante de assistir aquilo, pois foi o que fez. Na rua mesmo
um bando jovem se movimentava d’um lado para o outro, a falar coisas que já
tinha escutado: coisas da vida, da mulher que trai o cabra, dos operários que se revoltam contra o patrão, de homem com
homem; sentia-se até orgulhoso por entender tudo aquilo, entendia, pois anos a
fio via pessoas embarcarem e desembarcarem no seu serviço, gente que nunca
sequer imaginou que existia nesse mundão de Deus.
Se tivesse um filho ia querer que o guri assistisse essas coisas pra saber que
existe gente que trabalha disso falar da vida, ele-o-faxineiro sabia fazer
isso, oxi tinha tanta história para contar, mas não se vestia como os jovens
atores e ficaria até com vergonha de falar no meio e diante de tanta gente.
Sua
casa uma modéstia só, mas era sua, sua mesmo, havia terminado de pagá-la a dois
anos, vivia e ali morreria, como seu tesouro.
Por
vezes, até lia, com alguma dificuldade jornais esquecidos nos bancos ficava tão
alterado que preferia jogar no lixo todos aqueles jornais. Tanta morte,
violência, fazer o que se a vida descambou nisso.
O
relógio despertou as seis, abrira os olhos e nada via com nitidez. Suas pernas
formigavam e suas mãos estavam dormentes, imaginou que poderia ser um sonho ou
a sensação de estar acordado porém dormindo; uma estalada no seu peito dissipou
sua suspeita de estar a dormir, os segundos passaram a dor forte aumentara e
não se dissipara, de súbito viu seu tesouro a rir, calmo riu; pois já estava
morto, encontrado morto, morto com um sorriso como quem aceita a morte, morto a
sorrir.
Da onde a SENHORA copiou isso? Eu li um artigo igualzinho de um acadêmico da USP, isso é plágio sabia?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSua sensibilidade meu Nei. Meu Cae. É extremamente bela. Parabéns e continue sempre assim: Com os ouvidos atentos à ouvir os silêncios mais profundos da alma.
ResponderExcluirDe um modo ou de outro seus escritos... seu modo de olhar os sujeitos que compõem nosso cotidiano maluco, sempre me emocionam... Não vejo como poderia ser diferente... seja através da lente ou de palavras você se coloca ao avesso... e se mostra cada dia mais... mais belo, mais raro, mais você.. mais os outros...
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