terça-feira, 18 de dezembro de 2012

longe, lejos

Duane Michals

A chuva caia com pingos finos - ficava a fitar o céu, que pouco ou quase nada dizia, apenas escorria seus pingos frios que tocava sua pele desconhecida para aquela gota, assim como a essência da gota lhe era estranha, de matéria líquida - caia de forma tímida.

Jogava todo o seu corpo na cama, a cama em resposta suas lágrimas enxugava e lhe abraçava, sua pele esquentava, roçava – colchão e pele.

Suas sensações estranhas tinha conhecimento de que essa estranheza partia de si para a sensação. Esperava quase toda sua vida por dividi-la com quem obtivesse as chaves que abriria o seu coração, o desarmando. O amor estava traduzido em caos, descontrole, e toda essa paz estava ali dentro de si sem ter conhecimento de sua morada. Seus receios em agir segundo o que sentia já não mais existiam.

Jogava todo o seu peso na cama, a cama em resposta suas lágrimas enxugava e lhe abraçava, seu corpo esquentava, sua pele roçava – mente e colchão.

Aquela chuva que ainda caia empurrava-o - e sem reservas se entregava a enxurrada que o levava para lugares tão ocultos, imersão, transubstanciação, mesmo abraçado pela cama podia sentir que as gotas que havia caído em si ainda estavam em si, fusão, assim como o processo da nuvem a derramar suas gotas ele-ser-diverso-universo estava em processo, a cada transição uma elevação.

Jogava todo o seu peso na cama, a cama em resposta suas lágrimas enxugava e lhe abraçava, seu corpo esquentava, sua pele roçava - colchão.

Seu corpo era a barreira, a parede que segurava o seu espírito, cada vez que se libertava dessa prisão podia sentir seu ser a invadir o universo sendo-o, em expansão ultrapassava todo o universo e percebia quão pequeno são as coisas que seus olhos podiam ver; talvez isso fosse um segredo, teu para com a vida; talvez devesse gritar e assim romper as algemas que prendem as coisas ao seu redor, ai se sentia mais uma coisa entre tantas e t-a-n-t-a-s coisas.

Jogou todo o seu peso na cama e a cama em resposta lhe abraçou, suas lágrimas enxugou, seu corpo esquentou, sua pele roçou - dormiu.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

gira-sol

Duane Michal

O menino natureza
todo feito girassol
busca o sol.
Luzes a noite iludir o tentam.
A astúcia que o veste
deixa seu caule
de verde enseirado, camurçado.
A vida de um menino girassol ensinara
a confiar na essência da luz
e não na luz.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Lamento do que não vingou

Duane Michals - Primavera

Abrilhanta teu céu com o meu.
Faça florescer as flores de teu jardim permitindo o amar.
Veja os lírios da sala, amontoados sobre a mesa,
toda essa beleza se exibindo para olhos desapercebidos.
Recordação dá-te para que se lembre do meu amor,
tão ignorado pelo emaranhado dos dias que se acumulam com riscos na folhinha,
tão cheia de afazeres.
Seja pra mim o renascer, florescer, e nunca o morrer.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Estação

http://wwwescrevercomluz.blogspot.com.br/

Transborda pingo a pingo
Já se fora a tristeza
De tantas lágrimas o céu
A derra(mar)
Inunda fecunda
O sorriso
A jorrar a vida
Tão contida
Inaudita só explícita
No silêncio
Rompido pelo transbordar.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Baile del vida


Ele ali sentado, o momento de se acalmar, parar um pouco, a pausa de sua enfadonha rotina. Não. Talvez sua rotina não fosse tão enfadonha. Suas botas empoeiradas, seus cabelos brancos, seu uniforme cinza escuro que deveria ser quente em dias ensolarados.
Passavam por si e só passavam. Ninguém o olhava a recolher do chão toda sujeira ali deixada, todas as pontas de cigarro imprudentemente jogadas, sua função manter a ordem do limpo, deixar todo o ambiente hostil e tenebroso do lugar um pouco mais acolhedor.
Observava e gastava bons minutos a observar os que vinham e iam. Os que carregavam livros nas mãos eram seus prediletos, questionava que diabos haveria nesses livros, de certo perdiam tanto tempo para lê-los todos, mas não julgava, pois perdia vários minutos, também, do dia a observar.
Sua mulher morrera cedo o deixando sozinho na labuta da vida que não tem como escapar além de vivê-la e vezenquando encontrar bons ouvidos para reclamar e contar boas histórias.
Não sabia se havia alguma missão em sua vida além de limpar e passar o dia nessa sina que já habitual lhe era.
Apesar de cristão não tão fervoroso, fumava, porém era regrado, separava no seu dia três intervalos, fora o almoço, para pausar e acender um cigarrinho, na hora que via alguém acendendo um em lugar inapropriado sentia certa autoridade para dar uma advertência para se dirigir para a área dos fumantes.
Willy Ronis
Das três vezes que pausava durante o dia, em duas delas tomava um café, claro, pensava consigo, que o de sua mulher era bem melhor, mas depois que se fora jamais encontrara café igual.
Não era de viajar, não tinha parentes longe logo não haveria necessidade ou motivo de se locomover para outros cantos.
Tinha uma irmã mais velha criada pela tia, porém por ter começado a trabalhar muito novo, se mudar e casar não tivera tanto contato nem o mínimo com sua irmã, sentia um grande arrependimento, mas o que faria se não cuidar de sua vida.
Seu sonho além de ter tido um filho homem, o qual não tivera, era ter trabalhado no exercito que nem chegara perto.
Depois de tanto confabular consigo, ele-o-faxineiro levantou, agarrou a sua companheira de anos e ferramenta de trabalho e se prontificou a fazer o que fazia limpar.
Deixara bem evidente que sua vida não lhe parecia triste muito pelo contrário, foi e é feliz, ser amado, conseguiu o que poucos conseguem, mas a tuberculose a levara, ela era danada daquelas criadas noutro tempo, que hospital, só servia para quem não confia em Deus, ela-sua-esposa não iria não, preferia, caso tivesse que morrer, em sua cama, no seu quarto, na sua casa, pois se fechasse os olhos estaria de imediato no céu a admirar a glória.
Essa vida tem muito em comum com a própria vida. Via tantos mendigos, moradores de rua onde trabalhava e ficava indignado a sujeição desses cabras com a vida, mas como pode não resistirem a dureza do pão duro. Eu mesmo – exclamava quando se colocavam para ouvi-lo – comi tanto pão duro com café e nunca cedi, mesmo quando perdi meu tesouro levado por aquela doença maldita, ah mas Deus sabe o que faz! Preferia vê-la descansar do quê a sofrer, a pobre não merecia mais sofrimento, se recusava a tomar até os remédios.
Certo dia, não sabia especificar, foi assistir um teatro de rua, disseram-lhe que era uma peça, não entendeu bem, sabia apenas que se tratava de coisa de ator, veio em si uma vontade gritante de assistir aquilo, pois foi o que fez. Na rua mesmo um bando jovem se movimentava d’um lado para o outro, a falar coisas que já tinha escutado: coisas da vida, da mulher que trai o cabra, dos operários que se revoltam contra o patrão, de homem com homem; sentia-se até orgulhoso por entender tudo aquilo, entendia, pois anos a fio via pessoas embarcarem e desembarcarem no seu serviço, gente que nunca sequer imaginou que existia nesse mundão de Deus. Se tivesse um filho ia querer que o guri assistisse essas coisas pra saber que existe gente que trabalha disso falar da vida, ele-o-faxineiro sabia fazer isso, oxi tinha tanta história para contar, mas não se vestia como os jovens atores e ficaria até com vergonha de falar no meio e diante de tanta gente.
Sua casa uma modéstia só, mas era sua, sua mesmo, havia terminado de pagá-la a dois anos, vivia e ali morreria, como seu tesouro.
Por vezes, até lia, com alguma dificuldade jornais esquecidos nos bancos ficava tão alterado que preferia jogar no lixo todos aqueles jornais. Tanta morte, violência, fazer o que se a vida descambou nisso.
O relógio despertou as seis, abrira os olhos e nada via com nitidez. Suas pernas formigavam e suas mãos estavam dormentes, imaginou que poderia ser um sonho ou a sensação de estar acordado porém dormindo; uma estalada no seu peito dissipou sua suspeita de estar a dormir, os segundos passaram a dor forte aumentara e não se dissipara, de súbito viu seu tesouro a rir, calmo riu; pois já estava morto, encontrado morto, morto com um sorriso como quem aceita a morte, morto a sorrir.  

sábado, 14 de julho de 2012

Ma(durar)

Foto: Encarte do CD Balaio do Sampaio
Família Sampaio©2001

Todo que não encontra um tudo
A vagar procura pulsar
Tanto distante que errante
No tocante sereno a silenciar
Desconhecido outrora a lhe completar
Então conhecido
A produzir o insano o presente
Questão de pouca idade
Ao futuro a lucidez
Tempo e polidez
O agora a balbuciar deveras um copo cheio a orar
Maço-descaso-escasso-cansaço...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Meandros


Não lhe parece estranho esse doce olhar a mirar-te como se fosse o único foco reluzente em todo o emaranhado de imagens que perseguem as avenidas solitárias com tantos espíritos a vagar a procura de qualquer sexo com cheiro de prazer que possa ocupar o espaço que outro deixou quaisquer lábios que possam oferecer um hálito fresco e jovial de amor barato que com qualquer nota se consegue.
Não lhe parece estranho esse seu corpo a vagar por tantas e tantas encruzilhadas sem ao menos fazer qualquer trabalho com garrafas de vinho e rosas vermelhas para trazer um amor que lhe faça sossegar e que seja complacente com todas as mentiras que gostas de contar a todas aquelas que te ouvem pela primeira vez e se encantam com toda essa ginga que parece que desceu do morro para enfeitiçar as meninas do Leblon.
Não lhe parece estranho que com toda essa idade que dizes ter quando bebes não transparece nos seus atos frenéticos de querer sempre se sobressair com suas histórias que habitam num passado do qual não podes retornar pois lá ficou e de lá não sairá.
Duane Michals
Recolho esse olhar doce para tentar amanhã mirar alguém que ao menos perceba todas as suas fraquezas e defeitos e mesmo assim ainda queira contigo coabitar numa harmonia de notas ressoantes que só dois corpos transmutados em um com gemidos e sussurros quentes sabem transmitir que é essa fala louca de amantes que já não procuram em outros corpos o que só aquele sabe dar será que existe outro alguém que se encaixe em todo esse maldito vazio? 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Autopsia Humana

Ismael Nery, Nu no Cabide, 1927

Acreditava que seu pequeno mundo estava consolidado em bases sólidas, tingia todos os dias como criança, cores para sustentar sua fraqueza de espírito, assim o viam, porém, ele-garoto-maroto se sentia muito esperto, sempre aproveitando das situações, instinto comum a todos, rearranjando os laços de amizade conforme os ventos do sul ou norte, não sabia bem, corriam e entravam pela sua janela, de lá pensava estabelecer seu trono, manchado por várias qualidades que já haviam se ausentado por tê-las vendido.
Sua delicadeza desprezada por uma submissão aparentemente segura o distanciava de todos, somente os escolhidos por seu rei poderiam coabitar no mesmo espaço sereno, senão todas as forças astrais conspirariam para tornar o ambiente hostil, assim os observadores acreditavam, assim agia, afinal era seu mundo, por que questioná-lo? Ao fazê-lo estaria eliminando o que se tornara, suas justificativas escorregavam num mangue que se formara em seu entorno, sem ver, dar conta, reparar, diante de tanta serenidade escondia uma passividade que mascarava seus mais obscuros pensamentos, só embriagava com seu falso brilho os que não o conheciam.
Por quanto tempo viveria assim? Quem poderia responder, aliás, poucos concentravam forças para entendê-lo, porém não percebia, o mundo gira dessa forma, as pessoas não tem culpa, só não podem se revestir da couraça da inocência, essa quando foi embora se despediu para não mais voltar.

domingo, 15 de abril de 2012

En(lace)


Alguém insistente batia a porta. Aquilo o incomodava de tal maneira que saiu de seu banho e fora atender, alguma irritação pairava sobre seu rosto, estava se sentindo tão desalinhado com a vida e tudo o irritava facilmente, respirara fundo, o mais fundo que podia, sabia que a culpabilidade estava em si, na maneira de lidar com as coisas e com o próprio mundo.
– Pois não? – a voz era terna, porém certa frieza e amargura, descompasso notável. – Me esqueceu em algum momento da sua vida, agora estou cá para habitar contigo, se me permitir sentar – se aconchegou como pode -, e estarei contigo em seus piores momentos, retorno a promessa que fiz e de maneira áspera quebraste comigo, mas não faz mal, esqueçamos o passado, estou tão ansiosa para ouvi-lo, por favor não se culpe se interrogue, sempre foi um esmero no ato de se auto-interrogar.
Seu coração se esfriara no momento que ouviu essas palavras, um vento gélido enrubesceu sua face, não se via, mas imaginara a imagem que de certo produzira ao ver ali diante de si alguém que veementemente pedira para lhe deixar, ir embora e lá estava novamente a ressoar palavras tão racionais e sinceras, a sua frente, a abrir-se com tamanha destreza.
Resolvera então deixá-la entrar, a timidez lhe percorrera, havia há algum tempo mandado-a embora e agora voltara assim, demonstrara uma simpatia incrível e a ausência completa de remorsos, podia sentir que não havia ali naquela fala, na cena que se descortinava qualquer resquício de amargura, rancor, esses sentimentos que percorrem os seres mais sensíveis.
O primeiro ato se desenrolara com facilidade, passado evidentemente o susto e a vergonha instantânea que lhe percorrera. Sentaram-se, de prontidão ela lhe soou com docilidade: - não se incomode sempre me encaixei perfeitamente em qualquer lugar na sua casa, seja aqui, onde moras realmente durante todo o ano, no seu trabalho, sempre sempre sempre estive contigo, agora me responda acha que te atrapalho ou lhe atrapalhei?- Seu rosto se encheu de uma fúria incerta que se folgou em si e despejou em sua fala – me perguntas se me atrapalhou? Talvez por conviver tanto contigo já não saiba conviver com outras pessoas, a lida cotidiana com pessoas assim como eu não é fácil, sabes bem que não sou maleável, flexível, cada vez mais me torno desconfiado das pessoas, me questiono todos os dias, a todos os momentos em relação ao comportamento dos outros para comigo, você parece uma cicatriz gigante impregnada em cada parte do meu corpo, alguns mais instintivos conseguem observar-te em mim me deixando encabulado, vacilante no meu falar, no comportar, como pensa que não me atrapalhou? - Como se esperasse essa pausa e a pergunta logo após o desabafar, ela com tamanha delicadeza no gesto, se inclinou e começou a tear suas palavras – estive contigo durante anos a fio, a ver-te envelhecer e não me comovias, convenhamos sempre optou por crescer e isto demanda tempo e marcas, quando ficavas sozinho querendo fugir do mundo, que sabemos bem o que denominas como mundo nada mais é que as pessoas que o habitam, em certos momentos detestava até a presença de seus pais tal era sua ambição, de momento, para se isolar, e quem estava contigo, preste atenção no que digo c-o-n-t-i-g-o, não estou a lhe cobrar nada, nem mesmo a jogar sobre seus ombros uma dívida que tenha que ser paga algum dia, não!, jamais ambicionei nada disso, além de seu próprio crescimento, quem respondia suas perguntas, quem te acalentava quando chorava em algum filme, não haviam motivos, porém suas lágrimas estavam tão acumuladas que jorravam num simples mirar de uma cena colorida ou nalgum ato de carícias, pois saiba: todas as perguntas foram respondidas pelo seu próprio ser, todo esse conhecimento que tens é teu, aprendeste sozinho no decorrer do tempo, evidente que com a minha companhia ao seu lado e por que agora resolve me sentenciar como causadora das suas maiores percas, dos seus desatinos e infortúnios? Agora quem faz as perguntas sou eu e espero respostas sinceras!
A cada frase entoada ali em sua frente, ele que já estava exausto se afundara em seu acento, um sofá velho, empoeirado na sala, a refletir, a rebobinar a película que o levaria até o âmago de suas lembranças, realmente sentira falta na época dos seus estudos daquela presença, só a encontrava quando se isolava de todos, entrava em seu quarto assistia a algum filme e suas lágrimas realmente vinham a tona, lembrando-o que existia dentro de si uma função de emocionar-se. Sempre fora, como dito, alguém que se questiona demasiado e pensara que isso o levava a sofrer, por diversas vezes se achava masoquista, devia sentir algum prazer naquela sensação que o percorria de tal forma que ia até as últimas conseqüências para passar por aquilo: o sentir, agora aprendera a lidar com o sofrimento, não podia controlá-lo tarefa que, ao menos a si, é impossível.
Sem mais poder pensar dissera: - realmente tens razão, vejo tantas pessoas desencantadas com algumas pequenas vitórias que se acumulam no pequeno pecúlio humano, essa falta de gana para viver a vida que por si só já é enfadonha, medonha, porém melhor ser do que não ser, vê-la aqui novamente comigo me remete a Nietzsche sobre o eterno retorno, parece que as cenas se repetem, algum dedo apertou o botão de rebobinar e cá estamos, você diante de mim e eu a reconhecendo, como pode?   
Pela primeira vez ela pausou e sem delongas respondeu: - eu sempre estou contigo, não percebes? Me faz questionar quando me recusas, não tens idéia do quanto me faz pensar, fico imersa no refletir é quase uma aura que me cerca, exatamente pelas suas atitudes, quando menos espero forças tudo que se move dentro de si para me expelir, para me expulsar do seu convívio, não vês que fico sempre a espreita a te esperar, esperar, esperar, e-s-p-e-r-a-r, hoje pode me responder sem mentiras, pois vejo mais do que nunca resplandecer em você aquela sinceridade amarga, ácida, é tão complicado conviver comigo?
Waldomiro Mugrelise 
Realmente estavam sendo sinceros um com o outro, como nunca haviam tentado, pensou acerca disso rapidamente e lhe respondeu na lata – Sim. No início me sentia preso a ti, era desconfortável, me causava certa dor no peito, pensava que era por causa do cigarro e minha descontrolada rotina, o passar do tempo me indicou que talvez fosse sua presença mesmo a me causar insônia, um mal-estar contínuo que carregava comigo. Depois de alguns insucessos devido a minha imaturidade, que me acometia em momentos impróprios, mas essa parte eu ainda não compreendo totalmente, entendi que você era a única que realmente me amava, tinha comigo uma espécie de doença: egocentrismo, que de maneira geral não me era saudável, percebia que docemente conseguia enxergar meus detalhes, o olhar, as conversas que mais pareciam um monólogo e o eram, mas eu comandava, fazia as brincadeiras, perguntas e dava as respostas, a minha maneira, do meu modo, então comecei a te reparar melhor, seu modo de me tocar, emocionar, porém essa última paixão foi quase um grito que deveria ser dado, então te expulsei, mas vejo que não preciso nem pedir perdão, pois esta tão serena.
Sabia que suas palavras poderiam e podem se tornar obtusas. Conversaram incansavelmente, não percebiam as horas que corriam por sobre suas cabeças, corpo, rosto, simplesmente iam, escorriam, assim ficaram durante um bom tempo, até que o sono o abateu, o embriagou de tal maneira que recostou sua cabeça em seu colo, docemente ela com sua delicadeza, que era sinal da conquista dele através do tempo mexeu em seus cabelos, ambos acordavam juntos, dormiam juntos, comiam, bebiam vinho na varanda a chorar, rir, sempre ele acompanhado dela, assim não tiveram mais medo de conviverem juntos, pois um sabia como absorver do outro o gesto, a palavra ideal. Ele nunca mais teve medo da solidão, pois o dia em que decidiu sair atônito do banheiro, quase que para blasfemar com aquela que batia a porta, abriu e deu de cara com a própria Solidão, que espontaneamente decidiu deixá-la entrar e ao contrário do que muito se diz por ai, nesse mundo do qual ele evita por vezes, ele dizia e sentia, e podia dizê-lo em bom tom: sou feliz com a minha só m-i-n-h-a Solidão