domingo, 25 de setembro de 2011

Baby, Tango Tosca

“Sublinho: idílio e para todos, pois todos os seres humanos aspiram desde sempre ao idílio, a esse jardim em que cantam os rouxinóis, a esse reino da harmonia em que o mundo não se coloca como um estranho contra o homem, e o homem contra os outros homens, mas em que, ao contrário, o mundo e todos os homens são moldados numa única e mesma matéria. Lá cada um é uma nota de uma sublime fuga de Bach, e quem não quer ser uma nota torna-se um ponto negro inútil e destituído de sentido, que basta apanhar e esmagar sob a unha como uma pulga.”
(Milan Kundera, O livro do riso e do esquecimento)


Entrava no banheiro para se banhar e raramente tinha o hábito de se olhar no espelho, a não ser em momentos como escovar os dentes ou banhar-se, depois de ficar algum tempo sentado na privada a olhar os pisos expostos na parede. Cores um tanto desbotadas, alguns quadrados encardidos, seu pensamento fugia dali, estourava as telhas que estavam sobre sua cabeça e, por fim, ganhava altitude.
Na adolescência, quando descobriu como soltar aquele líquido que o fazia sentir-se vazio, com nojo de si mesmo, o ato de ejacular o deixava com uma mescla de prazer e ausência, se repetia por toda a sua existência, que não era muita, evidentemente.
A água a cair, o barulho que as gotas faziam ao tocar sua cabeça, pele e, por fim, o chão faziam-no pensar em momentos simples, aqueles que conotam uma eternidade, uma sensação de já ter vivido muito, com uma contradição de ainda ser um jovem.
- Porra! (exclamou) Não queria lembrar-se daquela estrada de terra, que era tão sua e de Baby, sua amiga mais fiel, que de repente se foi, assim como a tentativa de pegar o ar com as mãos e este lhe escapar por entre os dedos sem restar nada, além do vazio. Aquele mesmo sentir que sempre o acometia quando soltava aquele líquido, branco, asqueroso, não sabia bem o porquê, pois não lhe restava nada; parecia que tudo se escoava com os gemidos e a forte fricção do desejo, tão limitado e bobo.
Mas então aquela estrada, por onde iam, ele e Baby, aos finais de semana... Sentavam-se na terra, o sol a queimar suas peles, o barulhinho do filtro do cigarro a queimar, aquelas mesmas conversas que os preenchiam... Ou não? Tinha certeza de que o preenchiam, mas nunca sabia o que se passava com Baby, sempre tão misteriosa. Não foram poucas as tentativas de descrevê-la em sua mente, tentar se aproximar contando os mais íntimos segredos, que nunca experimentara com ninguém.
É, Baby, não posso mais lamentar o que se foi, pois algo ficou: lembranças tão doces, apesar de tantas crises passadas juntos. Pareciam o que sua mãe sempre falava: unha e carne! Alguém decerto cortara a unha, a separá-la da carne.
Os sábados tão mornos e sem sabor, naquela cidadezinha deserta, pacata, eram regados com latinhas de cerveja atrás da piscina; Ficavam lá a sonhar com lugares, amores ainda não concretizados, viagens não realizadas, tudo no futuro, que acreditavam estar próximo. Fariam tudo juntos, espécie de hippies, largados no mundo, à busca do intenso.
Duane Michals, Grandpa  Goes to Heaven (Series of 5), 1989
Agora ficou só. Baby se foi. Deixou alguns vestígios, porém não ousava vasculhá-los; queria que o tempo se encarregasse do que a covardia se apossara.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário