quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

batismo

todos os dias sou batizado
voluntário me banho
trindade cristalizada
corre por todo o corpo
expurga os equívocos
vasto mundo percorre
gesto incolor
delicado avança na mais máxima intimidade
imaculado, joga pelo ralo
toda morbidez,
sou conversão
transmutada em conversação
a água e a palavra
nicho que jorra
transborda do sagrado
a margem.

                estou batizado.
Evgen Bavcar @

desapontamento

André Kertész @
as cadeiras, de tarde ocupadas, a noite solitárias, será sempre essa angústia, remoendo a chorar amores que inexistentes na tentativa de compor amores existentes?
os móveis aos poucos de maneira astuta foi se apossando, levando-os como se quisesse me tirar aos poucos as lembranças que habituado estava a enxergar. pareciam uma parte sua na composição.
pergunto-me se não existirá intensidade maior que suprimirá essa dor aguda?, croissant, leite, café, saliva, seu olhar risonho a me desejar traiçoeiramente bom dia, qualquer descuido me levará para as entranhas da mais pura solidão, acompanhado do vazio, do nada existente no escuro, naquilo que não alcanço e nem hei de alcançar.

esses novos braços trás um cheiro que te acalenta
sou todo poeira nas paredes de seu quarto
 poderei ser o nada que outrora te banhava de luz
 pretensão
não aceitar a verdade que me cobria que só agora com minhas lentes posso sentir tamanho desespero em peles, que possam me gerar qualquer sensação forjada que acomode.
os braços atuais sabem te embalar?
gaste todas as suas forças no involuntário desespero de encontrar o jeito de meus braços em outros,
 sua pele
grita
a sua incapacidade de ouvir.


-*-

préfacio

Um candeeiro se acende trazendo uma inspiração de tempos longínquos que queima nas entranhas.
Vislumbrada a morte, a coruja canta, embala as memórias, trás o tênue sorriso de minha mãe, um misto de ternura e mansidão, na inércia não me locomovo só retraio nesse fogo misterioso, espreito na escuridão do pátio banhado pela luz negra, dispersos corações distraídos pela sedução de seus próprios corpos encarnados a se movimentar.
Um abrigo qualquer no relento me acalenta, entre o pátio escuro e a miragem de uma luz em que se espera, mas não chega, a intensidade da escuridão é tão forte que não se pode saber em qual posição se acomoda, pra cima, virado, de costas de verso, reverso, perscruto se a morte se materializou na ausência, ou se sou a ausência a revelar a escuridão que habita no hábito de vestido preto que a mãe veste, nas lentes escuras que afunda as lágrimas e as esconde, chamariz de insetos peçonhentos, quando o galo cantar a luz se acenderá ou dormirei na eternidade?

Velha ribanceira que me atirou num atoleiro, lá a morte me abraçou com dentes lustrados, afiados, pontiagudos, brilhava como se seduzisse príncipe, já não sei se principiei, ou se principiaram, perca total, impossível voar agora que minhas asas com forte corte os deuses as sentenciaram, não ouço vozes, somente o silêncio, nem mais a coruja canta, os grilos, pirilampo, nada existe nesse lugar, por vezes chego a pensar que estou num campo vasto, outras num corredor apertado, falta o ar, de repente, o ar não mais existe, mesmo com prontidão não existem ordens para obedecer, somente escuridão. 
Edward Weston