Jean-Pierre-Léaud |
aos
intelectuais
de
porta de botequim,
dos
rincões dessa terra,
onde
todos sentem
plenitude
e miséria.
prefácio
a cidade o
olha, de algum modo, e ele-que-é-todos a olha, a admirar sua organicidade.
os corpos
rijos, belos, a procura, de um lado profissional, doutro pessoal, satisfação de
prazeres, vagina, pênis, tudo se degenera, o tempo é uma questão de sorte,
melhor, a vida acopla a morte, sonata de notas puras, tal melodia se mostra
para alguns, outros a ignoram, conhecê-la demasiado é correr o risco, assim
como o canto das sereias, quanto mais prazer, perto a morte está, quanto mais
dor mais a sublime morte está, a vida também, ambas são a mesma moeda, dois
lados, ora se inverte, ora se esposam.
a necessidade
de concentração diante do caos sonoro, só faz surgir vontades fúteis; estar em
casa, para quê? viver do ócio, se degenerar no serviço doméstico, procure
alguma diversão na televisão, no celular, a modernidade inventou escapes para
prender a atenção, mas essa resiste, como bom combatente a dar prazer,
esquecer, tal como o ditado “a ignorância é uma dádiva”, cabe aos momentos
atuais da concentração.
se matar, ato
corajoso, ou covarde? enlaçar uma âncora ao pescoço e se jogar, utilizar as
asas, poder libertá-las e se libertar.
diante de toda
descrença, se esconde um coração afundado em incertezas, medo, impotência,
longe de ser pedante, ou querer tocar outrem através das afirmativas.
*
essencialmente
o nada só se encontra em dois lugares, na morte e nos buracos negros, o
primeiro gera mais dúvidas.
como pode
lutar um coração que nunca se aquece entre braços carinhosos, entre s u s s u r
r o s aos ouvidos? essas sensações parecem traços de uma infância mal vivida ou
pura carência.
*
o movimento é
a permanência das coisas, da vida e da morte, ambas coexistem a um fim
específico, pois a vida não se finda com a morte, nem vice-versa, seu sentido
se encontra na oposição, a negativa se afirma como movimento necessário espécie
de manutenção da sagacidade, qualidade daquilo que avança (?).
qualquer
sentimento por mais que arrebate, caminha para uma mesmice, o movimento que
embala, escrever histórias, fazer música, escutá-la, pintar, suprime por tempo
determinado a mesmice.
*
não se
alimentava bem, mas fumava incessantemente, ia aos lugares fumando, chegava,
estava nos lugares, saia, fumando, como se o cigarro fosse o seu oxigênio. isso
o deixava sensível quanto a resfriados, baixa imunidade, ademais acrescenta-se
a tudo já dito, o seu sempre bom humor a convites de toda sorte para ir beber,
fosse onde fosse, se sucedia ser lugares que gostava de freqüentar. se bem que muitas vezes mal acompanhado, ia mesmo
pelo prazer boêmio.
nos dias de
porre, não lhe escava nem os mendigos, os pedintes, esses de bom grado sempre
lhe pediam moedas ou um cigarro, sendo o último o mais corriqueiro a dar, não
se pode negar, nem tampouco esquecer os que lhe pediam fogo, esse sempre
disposto num de seus bolsos.
os rasgos em
suas roupas se acumulavam, pudera, tendo se deleitado em seus pequenos prazeres
burgueses, não lhe sobrava nada, além do pouco para alguma comida, mais cigarro
e noites na boemia. ali o lubrificante das longas minutas de discussão era o
álcool, gentil amigo, neste caso particular, em que bem não fazia, mal também,
cada qual escolhe seus vícios. não havendo verdade, apenas experimentações,
vivências, dele que é o outro. menos unificador, mas pluralizante, e isso não
insinua nem de perto, nem de longe qualquer similaridade com a globalização.
amor, isso
pouco lhe custou, não existia, nem existiu, as relações se forjam sob esta dura
sentença, para desaguar na amargura de toda espécie de infortúnios. existe convivência,
apego, sexo, desejo, etc.
*
todo aquele
suor escorrendo por suas voltas, linhas suntuosas, brilho, a pele reluz, arde
de desejo seu olhar, espreita cada detalhe revelado diante de seus olhos. tentada, tentava se conter, na verdade, tenta
conter suas vontades, desencadeadas em longas divagações, que quem não visse o
que viu, acreditaria ser obsceno, tantinho pornográfico. pela primeira vez não
se escondia, deixava soltos seus pensamentos, para por fim agir como lhe convinha.
o objeto de
seu desejo, do seu olhar que agora titubeia, mas que ainda deixa réstias de
suas vontades. aquele homem, cheirando forte, suado, desfaz do desejo do outro,
nesse instante o homem é apenas o homem, não o outro. o desejo do outro talvez
o assuste, se ausente, ou o afaste, ou o use para semear pensamentos que
perturbem as noites tediosas.
*
quebrou uma
garrafa de vidro, os olhos mareados ondeavam vermelhos, álcool exalando de seus
poros, desferiu o primeiro golpe, alguns segundos bastaram para perceber que o
que escorria era sangue, quase pastoso de início, depois escorre, o primeiro
golpe não bastou para aplacar o ódio que cerrava seus dentes. o segundo golpe, mais
forte que o primeiro, aplacou parte de seu furor de ira, de quem se sente
traído, as mãos começaram a sentir o líquido viscoso, o sangue, gelou-o, ao
invés de aquecê-lo com o calor das veias perfuradas. agora se sentia vingado. a
ira cedeu lugar a calma, a dor que sentira ao ver tal cena, rodeada na sua
mente, se transformara numa mansidão.
no fundo sabia
que ferir o outro era se ferir, ferida com ferida se sente, provara isso com os
cortes provocados com o que se transformara, agora, em garrafa de sangue.
acendeu um cigarro manchado de vermelho.
*
posfácio
- ei mocinho,
volta, esqueceu seu amor aqui, mais atenção!
- ei mocinha,
deixou cair seu amor, por pouco não pisou, é frágil, poderia tê-lo esmagado.
desatenção.
ato I. pressa, passos ligeiros, o ônibus está saindo, corre, corre. se vista
rápido, acordou atrasado, trânsito.
distração.
sair para comer, - esqueci o celular em casa, - dá pra olhar pra mim enquanto
falo?!
os dias,
somatizados no tempo, o tempo que transcorre, devora, enrugará as têmporas,
levará quem mais ama, isso se não for antes. o tempo seria a morte? de certa
maneira a morte e o tempo são aliados. a morte da abelha, a morte da cigarra, a
nossa morte, tudo está acontecendo e nada acontece. o sol não envelhece? a lua
descansa? O amor um grito que escorre no canto da boca. entreaberta a porta do
banheiro, será proposital? e depois, consumado o ato? e depois de conseguir o
que se quer? o depois de agora, uma continuidade, um fio que se liga a vida, ou
o fio é que liga a vida e a morte? questionar tanto ainda te levará a águas
turbulentas, esse perfume no ar, seduz, chama sua atenção?
na boca o
gosto se fixa, nele divaga, absorve o que sobrou, nada, ou quase p o u c o.
uma troca de
roupa para não dizer que não se afeta no afeto. as fotografias mentem, retratam
o que não existe, as horas, ou melhor o excesso de horas te calou, distanciou,
te levou embora. a paz refrigério para o coração do tempo.
esse beijinho
te lembra infância? isso, é isso, um amontoado de memória, memória que pulsa,
movimenta, se desfragmenta e se recompõem. rostos, nítidos, miragens, vocação
para lembrar, maldição em se aborrecer, borrão feito a caneta, alterada a
grafia. liga o motor do carro, da a partida, vamos embora, a estrada ainda é o
movimento, chegar aonde existem calçadas para se sentar, lamentar a perda,
lamentar? esse egoísmo pequeno, construto social, o prédio já foi pó, poeira, o
prédio é o vazio, o vazio organismo vivo. editor? consegue um? vai ler, fazer
valer, é isso? isso são memórias, elas falam contigo, rabiscam a língua, molham
seus olhos, por sua vez a lágrima se movimenta, você se movimenta, não fora,
mas dentro, fora também, vasculha, a não, chegou na lixeira, você prometeu,
prometeu sim, ai você não mexeria, pronto, as lágrimas viraram um comboio, se enoja,
se sente sujo, a voz sai baixa, como se tivesse levado uma surra, não, sai
lamuriosa, pesada, arrastada, se pudesse mudar não teria ido embora, mas talvez
teria ido, não era abandono, era retorno ao que se perdera, todo retorno te
leva ao perdido? venha, pode vir, não vou revelar as reminiscências, me
amaldiçoara, não me importo, o que está feito não se modifica, memória
traumática, violou a disposição cedida, já percebeu que alguns momentos respondíamos
a estímulos, agora concordo, não somos ratos de laboratório, não? se nasce, te
condicionam a ser, então com dor se é, mas nesse condicionamento haverá
recompensa, ó meu bondoso deus, já está tudo acertado.
saiu no
jornal, estamos numa boa fase de investimento, amanhã compro um aspirador que
aspire tudo, tristeza, memórias traumáticas, subterrâneas, - pára com isso!,
rivoltril faz o mesmo efeito – dito em tom ameno, grifo a m e n o, não precisa sofrer, não sofra, ria, ria, r i a, agora
chore, chore, caminhe, olhe para os lados, ó o carro, filho-da-puta, trânsito
maldito, e esse som ligado no último, para de dançar, recebeu um guia, não
existe homofobia, viado bom é viado morto, poeta morre pobre, saiu aquele carro
repaginado, mas você já tem três óculos, amo aquele aplicativo, água, água é
negócio de deus, uma foice de camisa preta, a religião é o ópio, prefiro
maconha, eis o movimento. e o Universo olha e nada vê, com nada se importa.