sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Viagem Mental

Boris Kossoy

Além dos fatos
Tudo o que vejo é inconsistente,
E nada aprendo, tudo se desmente,
Nada do mundo, desde o começo,
Eu não conheço, eu não entendo,
Vou querer tomar veneno,
Vou querer dissimular,
Vou ter crise de comportamento,
Vou sorrir querendo chorar...”
(Pato Fu, Isopor)

De dentro podia-se ver toda a paisagem. Meus olhos podiam captar o brilho do orvalho que caiu durante a madrugada. Amanhecia. Fiquei impressionado com os efeitos que os primeiros raios de sol causaram em todo o esplendor. O sono ia devagar aparecendo. Uma madrugada inteira dirigindo... Acompanha-me apenas a presença do rádio ligado e a mistura de coca-cola com café. Essa mistura, além de me manter com os olhos abertos, trouxera uma azia que amargava tudo no estômago. Mesmo com dores, prosseguia o trajeto de forma alegre. Durante todo o dia, percorria muitos quilômetros, o que me alegrou de todo.
Quando novamente captei o último raio de sol, percebi que necessitava de um repouso. Preferi ganhar alguns quilômetros. Então, prossegui nessa viagem. Tudo corre bem quando o rádio está ligado. A música predileta, o som estridente deixam o corpo em pura vibração. Distraidamente vi um animal de que não conseguia lembrar o nome. Parecia um cachorro do mato; raposa não poderia ser pelo tamanho.
Um choque aconteceu. Nesse momento, a única coisa que vi foi um corpo rolando e minha voz tomando impulso forte e saindo como um trovão. Abri a porta, saí o mais rápido que pude. Deparo com uma bicicleta jogada em um canto não longe do corpo de um homem ensanguentado no asfalto. Tremi como se estivesse à beira de um infarto, como se fosse desmaiar e fazer companhia àquele ser exposto ao relento do asfalto.
Consegui acalmar-me quando percebi que alguém parou. Supostamente uma alma caridosa. Pedi o celular para ligar para a Emergência. Meu celular estava no bolso da calça, mas no momento olvidei. Logo que o socorro chegou, preparei-me para ir à delegacia. Depois de todos os trâmites, fui saber como estava o estranho atropelado. O lugar era bom. O atropelado era um senhor de idade sem documentação, sem número para contato com familiares; sofrera uma lesão na coluna, foi operado, porém era incerto seu futuro bem-estar.
No decorrer de todas as notícias, fui-me esvaindo como se fosse o atropelado. A reunião tão esperada foi realizada sem que chegasse a tempo. Todos os planos feitos no dia anterior foram frustrados. Inesperadamente estava imerso em uma perda de sentido. Uma leve insanidade invadiu o ser de um homem de trinta e dois anos que beirava aos quarenta, sem muitos sucessos acumulados em sua vida de executivo, sem grandes transações... A lista foi crescendo com o decorrer do desespero. O que pensar? Melhor agir do que pensar. Agir... Mas como? Futilidade pensar naquele senhor sem nome; qualquer um pensaria inumano, mas estou no campo da transparência. Campo da transparência? Como criei tal conceito? Num momento desesperador, filosofar seria a saída ou entrada para o desespero? Não sabia se estaria saindo ou entrando. Sem saber o que fazer. Permanecer naquela cidade que definitivamente não era o roteiro programado seria torturante, porém havia uma vida. Precisava ser solidário, apesar de os pensamentos gritarem: “loucura!”
Daqui para frente seria um roteiro de filme. Mudaria minha vida pra sempre. Cuidaria do moribundo com lesão na coluna. Viveria de forma simples. Instantaneamente acabariam todas as minhas ambições. Teria um encontro com o mestre da vida, o Todo-Poderoso, o Deus, me mudaria para esta cidade, viveria como um camponês, pobre, sem muitas posses. Quantos pensamentos medíocres... Foram crescentes dentro de mim divagações sem fim. A síntese desse momento seria medíocre. Egrégio.
Tudo se esvai, definha. Quando se dá conta, percebe-se o tanto que se deixou de viver, correr, alegrar-se... Percebe-se que “morto” é a situação em que muitos denominados seres humanos se encontram. Ninguém disse que viver seria fácil. Tarefa árdua, dura, dia após dia se aprende a viver, mas nessa aprendizagem o que vale não é o respirar. O sentir é o termômetro do viver. Como me sinto por estar vivo? Uma ponte que tende ao precipício, tédio. Sempre os mesmos clichês, as mesmas tentativas de superação. Uma gangorra que sempre para no mesmo lugar, como andar em círculos. As palavras são viciosas; nelas nos exprimimos, damos sentidos, nome às coisas... Quando se se dá conta disso, percebe-se um vicioso em palavras que sempre terminam no início. E qual é o início? Difícil saber do início quando se perde o fim. Quando os fatos se confundem com insanidade. Pode-se ter a certeza de que a trilha trilhada está nebulosa. Neblina que envolve a todos sem excluir ninguém. Obstante de ser capricho ou luxo.




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