segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Desconhecidos

Days Day - Man Ray

O que os separavam? – indagou-se por longos dias de uma semana de descanso. Colocava-se sempre a fumar seus cigarros no corredor da casa, próximo a lavanderia, certamente saberia responder a sua inquietante indagação: uma parede, exatamente! aquele muro plantado no final do corredor que os separavam. Podia ouvir suas conversas com os amigos que lhe visitavam, suas canções tiradas ao violão, com dedilhados fortes, uma voz macia e calma, as músicas de Bob Marley a romper o tédio das tardes, lembrava até – e nesse momento ruborizava – um orgasmo que alheio ouvira dele com alguma mulher, o som alto dos corpos a sentirem um intenso contato um com a pele do outro, os gemidos que se sucederam de forma cada vez mais rápida, até gozarem vida e a gargalhada final – habitual dos corpos que gozam e se sentem plenos.  Acreditava até na hipótese de ter sentido de leve o cheiro de maconha. Interessante era observá-lo sem vê-lo.
Não lhe era inegável a vontade que surgia de quebrar esse muro e ver por fim o que se escondia de seus olhos. Não era um desejo carnal, que o desconhecido lhe despertava em raros momentos, e sim a idéia inaceitável que dois seres que poderiam se aproximar e conversar estavam separados por uma inútil convenção ou pelo muro. Talvez até soubesse quebrar o gelo monótono que assaltam as pessoas desconhecidas quando se esbarram. Sabia, porém que tal ocasião inesperada não viria a acontecer, como tantas outras que só passam de um pensamento-flerte.
Dentro de si, as coisas se moviam de forma estranha, uma parte sua desejava avidamente se esconder de todo o mundo, isolar-se numa completa solidão e a outra de conhecer o máximo de pessoas que lhe fosse possível e absorver tantas quantas histórias pudesse.
De certo haveria, entre marte, júpiter, saturno, algum lugar reservado para aqueles que querem se isolar de todos, ficar só a admirar o universo, desolados e desiludidos com qualquer forma de contato-afeto-amor, talvez fosse essa a vontade que imperava e a mais latente. Regressar a si deveria trazer-lhe calma e trazia, mas a vontade de estar, viver só era intensa e suficientemente maior em si.  

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